Janie Rhyne no capítulo I do livro A Arte e Gestalt: Padrões que convergem, relata de maneira interessantíssima e detalhada, como ela ocultava seus sentimentos e ímpetos maldosos quando era criança. Seus pais e familiares diziam que ela era “uma boa garota”, e dentro deste discurso, ela não encontrou espaço para expressar sentimentos, que embora naturais e inerentes ao desenvolvimento, não eram aceitos e condizentes a “uma boa garota”.
Janie encontrou na arte uma forma de escape. Isso secretamente, pois suas produções nas aulas de pintura ilustravam a “boa garota”, mas nos momentos que ficava sozinha com papéis, canetas e tintas, Janie fluía com o que sentia. Relata que saboreou seus sentimentos amargos com prazer ao desenhar a garotinha que morava do outro lado de sua rua, a qual odiava, completamente nua e sendo atacada por um grande bloco de gelo, imaginando-a toda congelada. Janie rasgava suas produções e as jogava fora, garantindo que ninguém soubesse a respeito destes sentimentos. Apesar de sentir alívio e certa organização emocional ao representar o que a consumia por dentro, e dar vida a fantasias mórbidas, Janie sentia que deveria atuar sempre como “uma boa garota”, mesmo quando os comportamentos esperados não eram condizentes com os sentimentos que reverberavam dentro nela.
Janie encontrou uma maneira de expressar-se de uma forma saudável, apesar de não sentir ter espaço para dialogar e refletir sobre isso com os familiares. Desta forma, relata Janie, pode desenvolver-se e autorregular-se sadiamente. Isso apesar de enfatizar que quando adulta esse modo de estar no mundo, a partir do olhar do outro apenas, mudou. Mas isso é assunto para um outro momento.
Reconhecer quando criança que todos tem pensamentos amargos, e encontrar formas de expressá-los, é importante para um desenvolvimento sadio e também para nossa construção de aceitação perante aos que convivem conosco. Sentir-se amado e aceito, mesmo experienciando desejos sombrios, é ter espaço para ser com inteireza. O reconhecimento dos sentimentos contribui para a conexão consigo, e também para as relações interpessoais.
Quais são suas formas de expressar seus sentimentos amargos e “ímpetos maldosos”?
E o da sua criança (filha/filho), você tem uma ideia de qual é?
Referência
Rhyne, Janie. Arte e Gestalt: padrões que convergem. São Paulo: Summus, 2000.